Durante um “chá muito louco”, o Chapeleiro do país das maravilhas sugere à Alice viver em boas pazes com o Tempo – para que ele corra ou desacelere segundo os desejos dela. Infelizmente, o próprio Chapeleiro não pode mais fazê-lo, porque, durante a leitura de um poema para a rainha, ela o acusou de estar “matando o tempo”. O Chapeleiro foi então aprisionado pelo Tempo num chá interminável como um trauma, em que passam os dias mas nunca se vai além das seis horas da tarde – obrigatória para o chá. Sem tempo (!) para lavar as louças, ele e seus convidados são obrigados a girarem em volta da mesa em busca de novas xícaras limpas – sem as quais quem sabe o que lhes restará.
No romance de Lewis Carroll, o Chapeleiro está no extremo oposto do coelho branco, um coitado, sempre atrasado, com medo de que lhe cortem a cabeça, subordinado ao relógio e a ordens que não fazem sentido. Quem anda pelo Centro da cidade em dia de semana pode se surpreender com o tanto de coelhos que já somos nós.
Para viver sem medo — do relógio, da duquesa ou da Rainha de Copas –, para não se deixar capturar num ano, numa década, num instante perdido, girando em torno da mesa até se esgotarem as últimas xícaras limpas..; para estar em boas pazes com tempo: um feliz desaniversário, que todo dia é dia para comemorar a vida!
Leia aqui o diálogo entre Alice e o Chapeleiro Louco sobre o tempo:
“– Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço – disse o Chapeleiro – não falaria em gastá-lo como se ele fosse uma coisa. Ele é alguém.
– Não sei o que você quer dizer – respondeu Alice.
– Claro que não sabe! – disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça para trás com desdém. – Diria mesmo que você jamais falou com o Tempo!
– Talvez não – replicou Alice cautelosamente – mas sei que tenho de marcar o tempo quando estudo música.
– Ah! Olhe aí o motivo! – disse o Chapeleiro. – O Tempo não suporta ser marcado como se fosse gado. Mas, se você vivesse com ele em boas pazes, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo: vamos dizer que fossem nove horas da manhã, que é hora de estudar. Você teria apenas que insinuar alguma coisa no ouvido do Tempo, e o ponteiro correria num piscar de olhos: uma hora e meia, hora do almoço.
(“Gostaria que fosse mesmo” – disse para si mesma, num sussurro, a Lebre de Março.)
– Isso seria formidável, com certeza – disse Alice, pensativamente. – Mas então… talvez eu não tivesse fome ainda, entende?
– A princípio não, talvez – disse o Chapeleiro – mas você poderia ficar em uma e meia o tempo que quisesse.
– É assim que você faz?, perguntou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça negativamente, com tristeza. – Não, eu não – replicou. – Eu e o Tempo tivemos uma briga em março passado. (…)
– E desde então – disse o Chapeleiro em tom melancólico – ele não faz mais nada que eu peço. É sempre seis horas da tarde!
Uma ideia luminosa ocorreu a Alice. – É por isso que tem tantas xícaras de chá na mesa?
– Sim, é por isso – suspirou o Chapeleiro. – À medida que as coisas vão ficando sujas.
– Mas o que é que acontece quando vocês dão a volta completa? – arriscou-se Alice a perguntar.
– Que tal mudarmos de assunto? – interrompeu a Lebre de Março, bocejando (…)”
(“Aventuras de Alice no país das maravilhas”, Lewis Carroll)