“…tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas… mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”. Palavras da poetisa Cora Coralina, uma das mais importantes escritoras brasileiras, que teve seu primeiro livro publicado aos 76 anos. Pioneira de uma postura que hoje vem se tornando comum, a poeta é exemplo de que a velhice está mudando em um mundo cada vez mais maduro. Avançar na idade está ganhando um novo sentido, uma mudança em pleno andamento. Mesmo sem perceber, cada um de nós já vive de uma forma inteiramente nova a própria idade e, por isso, podemos ser considerados os primeiros passos do que começa a ser esboçado como uma nova velhice.
No livro “A Velhice”, de 1970, a filósofa Simone de Beauvoir levanta uma reflexão sobre a exclusão dos idosos na sociedade. Segundo ela, o indivíduo capitalista percebe as pessoas como meio para a realização de suas necessidades. Algo que, para a autora, fica mais claro em relação ao idoso, que, nesse contexto, se torna uma espécie de incômodo, desrespeitado em sua integridade e excluído pela sociedade. Quase meio século depois, o tabu ainda persiste. Em dezembro do ano passado, ao receber o prêmio de “Mulher do Ano” da revista Billboard, a estrela pop Madonna, hoje com 59, declarou em trecho de seu discurso: “…não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticado e humilhado…”.
Mas a situação do idoso pode estar prestes a ter uma virada, uma vez que esta é uma parcela da população que se coloca cada vez mais representativa. Para se ter uma ideia, um estudo da ONU mostra que o número de pessoas com mais de 60 anos no mundo deve triplicar até 2050. Em 2015 a ONG internacional HelpAge também apresentou uma pesquisa revelando que, atualmente, 12,3% da população mundial tem mais de 60 anos, ou seja, 901 milhões de pessoas. Um número que só cresce. Em 2030, será 16,5% ou 1,4 bilhão e, em 2050, 21,5%, um total de 2 bilhões de idosos. Em qualquer esfera social vai ficar impossível ignorar tanta gente.
No presente, de uma maneira geral, todos os países estão experimentando o envelhecimento da população. As pessoas estão vivendo cada vez mais e melhor e de maneira cada vez mais ativa, afirma Tarso Mosci, médico geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – seção Rio de Janeiro.
“Até 1900, as pessoas morriam em média aos 40 anos. Hoje, frequentemente vivem até 70, 80 ou até 90. Em países com maior renda per capita, essa qualidade de vida é ainda maior e isso está diretamente relacionado à escolaridade. A formação tem um impacto direto na velhice, trazendo informação sobre cuidados com a saúde, melhor remuneração, moradia, higiene e alimentação, além de uma vida ativa socialmente e intelectualmente. Acredito que, muito mais que o acesso à saúde, o acesso à educação é garantia de um envelhecimento melhor. Não é o acesso ao médico, mas a uma renda digna que vai proporcionar os fatores de uma vida longa e melhor”, defende Tarso.
A partir do Estatuto do Idoso, de 2003, foi possível verificar, por exemplo, que, entre 1940 e 2006, o número de idosos registrados cresceu cerca de 11 vezes, passando de 1,7 milhão para 18,5 milhões. A previsão é que, em 2025, esse número esteja na casa de 64 milhões de pessoas. Em 2050 estima-se que um em cada três brasileiros seja idoso. Já pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que cerca de 71% dos idosos registrados conseguem ter independência financeira, sendo a maior parte da renda percebida pelos idosos, em torno de 49%, originária de ganhos da previdência, realidade que pode ser profundamente impactada com a recente proposta de reforma.
“Hoje o aposentado dificilmente vive apenas de sua aposentadoria, muitos deles até se desaposentam para contribuir por mais tempo e recalcular o benefício. Mas, para que a aposentadoria seja modificada, é preciso haver incentivos que permitam que essas pessoas realmente possam se manter ativas sem serem descartadas do mercado a partir dos 50 anos, como acontece hoje”, pontua o advogado especialista em previdência social Alessandro Azzoni.
Foi na busca pelo autoconhecimento que a psicóloga Maria Letícia Leite, 58 anos, encontrou um olhar mais abrangente sobre a vida. À frente de vários cursos, palestras e clinicando, ela defende que é possível ressignificar internamente tudo o que nos cerca.
“Acredito que a realização profissional é a atividade que mais dá ao ser humano um sentimento de utilidade no mundo e esse sentimento gera longevidade. Nos mantendo ativos, a pele rejuvenesce, dormimos melhor e, claro, nosso desempenho sexual também melhora”, comenta.
Com um trabalho de pelo menos 10 anos voltado às mudanças nas representações das pessoas que envelhecem, a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg afirma que muita coisa já mudou, mas ressalta que esse é um processo lento, onde cada um vai escrevendo um pouco dessa mudança.
“É o que chamo de uma revolução cotidiana. O discurso e a militância são importantes, claro, mas a prática de atitudes que quebram os preconceitos é muito mais. Madonna é um exemplo de pessoa que, com 60 anos, continua ativa, fazendo show, namorando, posando para capa de revista. Apesar de ela estar reclamando da forma como vem sendo tratada, o que ela faz hoje seria impensável no século passado”, destaca.
Assim como o século 20 representou uma época de avanços para as mulheres, o século 21 será o século dos velhos mudarem sua imagem, afirma Goldenberg, destacando que essa mudança vai acontecer de forma diferente para homens e mulheres.
“Todos os velhos querem resgatar aquilo de que foram privados na juventude. Enquanto eles querem o tempo com a família, para elas, o principal valor é a liberdade. Mas, para ambos, representa um tempo de libertação, realização, exatamente do que falo no livro ‘Bela Velhice’”, destaca a pesquisadora.
Fonte – Revista O Fluminense