Está em curso uma transformação radical, envolvendo a economia, a política, a forma de as pessoas viverem, e que mobiliza forças poderosas em disputa no planeta. De um lado, a chamada transformação digital, ou indústria 4.0, projeta uma economia baseada em automação, inteligência artificial, robôs, drones, software. Pouca gente. Muita tecnologia, mercados intangíveis, transnacionais. De outro lado, o avanço do pensamento xenófobo, do racismo, do conservadorismo, da exploração extrema, dos muros nas fronteiras. Se (ainda) fôssemos um povo indígena, era hora de ouvir os conselhos de quem já viveu e viu mais – reunir os velhos sábios no centro da aldeia.
De certa forma, é isso que propõe o Dia Internacional das Pessoas Idosas 2017, data comemorada pelas Nações Unidas, este ano com o tema “A caminho do Futuro: Aproveitar o Talento, a Contribuição e a Participação dos Idosos”. Ou seja, a ONU quer fomentar investimentos mundiais destinados a assegurar condições de qualidade de vida àqueles cidadãos com mais de 60 anos para que eles possam atuar em suas famílias, comunidades, no mercado de trabalho, em conselhos de mentores – nas empresas ou em órgãos de assessoramento da administração pública – e na sociedade em geral.
As condições fundamentais para que compartilhem dos esforços para ajudar a aldeia a superar os impasses do planeta incluem acesso à assistência médica, renda, proteção legal, e também a conhecimento. Porque o aprendizado na vida é dinâmico e não acaba nunca. E, como já mostrou William Shakespeare na peça Rei Lear (aquela em que um velho pai perde tudo devido à sua arrogância e vaidade), a idade não produz sabedoria de forma automática. Os velhos sábios das tribos, que comandam a sobrevivência de povos milenares, bem anteriores ao nosso modelo precário de civilização, passaram anos estudando a natureza.
A má notícia é que temos um passivo educacional imenso – 50 milhões de pessoas com mais de 15 anos não completaram a educação básica no paí¬s, segundo dados da Agência Câmara. A boa notícia é que dois projetos de lei tramitam no Congresso para inserir o conceito de Educação ao Longo da Vida nas políticas públicas – tanto no Estatuto do Idoso, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Projetos de lei
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou, no último dia 26 de setembro, projeto do Senado (PL 6350/13 – de 2013!) que obriga as instituições de ensino superior a oferecer às pessoas idosas cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância. O texto acrescenta dispositivo ao Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), que já prevê o apoio do poder público à criação de universidade aberta para esse público. E também já determina o incentivo à publicação de livros e periódicos de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura – por exemplo, com letras maiores, (Alô´, editoras, que tal um selo para esse segmento?) O projeto tramita em caráter conclusivo, foi aprovado por todas as comissões, com apenas uma emenda de redação, e deve seguir para sanção do presidente da República.
Em maio, a CCJ também aprovou a inclusão do direito à “educação e aprendizagem ao longo da vida” entre os princí¬pios orientadores do ensino no Brasil, inclusive na educação especial e de jovens e adultos. O projeto (PL 5374/16) altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9.394/96) e encontra-se atualmente na pauta da reunião do próximo dia 3 de outubro (terça-feira) da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da Câmara.
O conceito de educação ao longo da vida ganhou impulso a partir de um documento da Unesco, conhecido como Relatório Delors (publicado em 1999), numa referência ao francês Jacques Delors, que coordenou a sua elaboração. Em linhas gerais, estabelece que a educação deve ser considerada como um processo contí¬nuo da pessoa humana, da sua capacidade de discernir e agir. Atualmente, já se sabe que também tem papel terapêutico, atuando contra a depressão, as demências, o isolamento. No Brasil, oferecem cursos dirigidos aos idosos a UERJ (com Unati-Universidade Aberta da Terceira Idade), a Universidade de São Paulo (Programa Universidade Aberta à Terceira Idade), a Universidade Federal do Paraná (Universidade Aberta da Maturidade), a Universidade Federal de Minas Gerais (Projeto Maioridade), entre outras.
Cultura para combater o preconceito
Entre 2015 e 2030, ano definido pela ONU para que seus paí¬ses membros alcancem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o número global de idosos deverá aumentar em 56% – de 901 milhões para mais de 1,4 bilhões. Até 2030, o total de pessoas com 60 anos ou mais excederá o dos jovens de 15 a 24 anos.
“O tema deste ano ressalta a relação entre o aproveitamento dos talentos e das contribuições das pessoas idosas e a implementação da Agenda de 2030 e do Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento de Madri, que está atualmente passando por seu terceiro processo de avaliação”, afirma a entidade em seu site, nas justificativas do Dia Internacional do Idoso 2017. “É evidente que a necessidade de aproveitar as contribuições muitas vezes negligenciadas e subestimadas de pessoas idosas não é apenas essencial para o bem-estar delas próprias, mas imperativo para processos de desenvolvimento sustentável”.
Para isso, a ONU também desenvolve uma campanha contra o “agism”, expressão em inglês para o preconceito baseado na idade – que atinge os velhos. Também neste caso, informação, conhecimento e cultura são remédios indispensáveis. E o Portal Curso da Vida, que comemora dois anos de existência neste 1º de outubro de 2017, quer dar sua contribuição para o combate à discriminação e a difusão de cultura e conhecimento. Durante todo o mês de outubro, em homenagem ao Dia Internacional do Idoso, vai publicar referências e sugestões de obras de arte que nasceram de reflexões sobre o envelhecimento, o passar do tempo, o curso da vida.
Texto da colaboradora Verônica Couto