A independência do Brasil foi apresentada por muitos anos como uma espécie de contraponto aos movimentos de emancipação ocorridos na América espanhola. Em contraste com a violência que marcou a independência dos países hispano-americanos, o processo brasileiro teria se dado de maneira pacífica, sem derramamento de sangue, preservando os aspectos positivos ou negativos da herança colonial portuguesa. Tal enfoque, consagrado pela historiografia, foi parcialmente questionado no livro A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808 – 1822).
Escrito por João Paulo Pimenta, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o livro foi publicado no final de 2015.
Que ideia é essa? “A ideia de que, se muitas coisas foram diferentes na independência do Brasil, elas só puderam ser diferentes porque o processo brasileiro aconteceu um pouco depois. É a defasagem de alguns anos que explica as diferenças, porque os protagonistas da independência do Brasil puderam aprender com os fatos ocorridos na América Espanhola. Houve um aprendizado, por meio das trocas de informações e da imposição de políticas fronteiriças, que procurei analisar”, afirmou o historiador.
Pimenta examinou três tipos de material escrito: as publicações da imprensa, a correspondência diplomática e os relatos de viajantes. Além da consulta aos arquivos brasileiros e aos documentos disponíveis on-line, o historiador pesquisou também em países de língua espanhola.
No cenário desenhado, destaca-se o interesse suscitado no Brasil pelas notícias vindas da Hispano-América. “Desde o final do século XVIII, ocorreu uma progressiva politização dos espaços públicos na América portuguesa. Gente que antes não se interessava por política passou a se interessar. Com a vinda da Corte Portuguesa em 1808, isso se manifestou principalmente na criação e circulação de jornais. Mas também no aumento dos boatos e na curiosidade pelas novas informações. Foi algo que se espraiou cada vez mais, envolvendo diversos grupos sociais. Não era necessário que a pessoa soubesse ler para participar. Ela também podia fazer parte ouvindo e passando adiante um boato trazido por um navio comercial, por exemplo. Embora liderado por grupos de elite, esse processo não foi integrado exclusivamente por eles”, detalhou.
A Corte, liderada de início pelo príncipe e depois rei Dom João e mais tarde pelo príncipe e depois imperador Dom Pedro, constituía, evidentemente, um espaço privilegiado de recepção e elaboração das informações. Seus ministros e secretários liam os jornais, possuíam informantes, tinham representantes diplomáticos em várias cidades estrangeiras. Mas, segundo Pimenta, as informações não ficavam restritas à Corte. “Também os comerciantes estavam interessados no que se passava no resto do mundo, especialmente no mundo hispano-americano. Recebiam e difundiam livros, jornais e boatos. Ainda mais ativos do que eles eram os próprios editores de jornais”, exemplificou.
O historiador estudou especialmente a trajetória do Correio Brasiliense, editado em Londres por Hipólito José da Costa (1774 – 1823). Com circulação e repercussão em várias cidades do mundo, esse periódico foi publicado mensalmente, com regularidade, entre 1808 e 1822 – exatamente o período que Pimenta adota em seu livro, definidas pela instalação da Corte Portuguesa no Brasil e pela independência política propriamente dita. O Correio Brasiliense era crítico da monarquia portuguesa, mas de um ponto de vista reformista, não revolucionário. Segundo o historiador, esse jornal tratou com muito interesse e detalhe a desagregação do Império Espanhol.
O historiador afirmou que a versão do contraponto entre a independência do Brasil e as independências do território hispano-americano teve suas raízes nos próprios protagonistas do processo brasileiro. Foram eles que, em sua época, estabeleceram um quadro comparativo, exaltando as vantagens do movimento ocorrido aqui. “Quatro pontos foram destacados: o caráter supostamente pacífico da independência do Brasil, apresentada como um acordo de elites; a preservação da monarquia; a preservação da integridade territorial; e a preservação da escravidão. Com algumas variações secundárias, esses quatro tópicos estruturaram praticamente toda a historiografia da independência. E definiram uma versão que ultrapassou os limites da literatura especializada para se tornar uma espécie de lugar-comum, o pensamento do público em geral”, informou Pimenta.
Livro – “A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808 – 1822)”
Autor: João Paulo Pimenta
Editora: Hucitec Editora
Fonte – Agência FAPESP, por José Tadeu Arantes